sexta-feira, janeiro 03, 2014

Adeus P. Albino, Adeus Clara

Bom dia e votos de feliz ano novo.
O ano passado terminou com um sentimento de dor e pesar com a notícia da doença e falecimento do nosso grande e querido amigo P. Albino. Pessoalmente, sinto muito esta morte porque foi meu professor e me tem acompanhado ao longo dos anos, tal como o fazia com muita gente, sempre com uma disponibilidade e alegria contagiantes. Damos graças a Deus pelo seu testemunho de humanismo, de cristão e de padre. Que lá do Céu interceda por todos nós, como o fez na terra.
 

Mas o início do ano ainda nos trouxe mais uma situação de consternação e dor.

Pouco faltava para a meia-noite, e já nos preparávamos para, em nossa casa, assinalar a passagem do ano, quando nos ligou o catequista José Capoco, da aldeia da Calunganga, uma das poucas do Gungo onde há rede de telemóvel por ser relativamente próxima do asfalto.
Pedia-nos para irmos com urgência buscar a Clara para o hospital porque estava grave. Perante aquele apelo e seguido da voz suplicante da mãe em lágrimas “me ajuda só, sr. padre”, apenas esperámos alguns minutos para assinalar a passagem do ano com o nosso amigo Anacleto Crespo. Logo a seguir reunimos, decidimos que deveríamos ir eu e a Ana Sofia, enquanto o Carlos e a Teresa ficariam em casa, tanto mais que era de prever que algumas pessoas quisessem acompanhar a doente.
Preparámo-nos e partimos furando a noite serena, de ar morno e quase sem movimento automóvel.

Passada cerca de uma hora e meia estávamos na aldeia. Muita gente estava reunida à volta da Clara cujos gemidos escutámos logo que chegámos. Tinha perdido a visão, o seu respirar era muito difícil e queixava-se muito do pescoço. Com dificuldade conseguimos recostá-la no colo da mãe, Maria de Fátima, dentro do jipe.
A viagem foi dolorosa pelo sofrimento em que sentíamos que a Clara ia. Durante o percurso ainda contatámos para a nossa amiga médica Dr.a Lucinda que nos recomendou dar dois comprimidos no sentido de aliviar tão grande falta de respiração.
Dirigimo-nos ao hospital municipal e, após uma primeira assistência, foi transferida para o provincial. Entretanto, a aurora anunciava a luz do primeiro dia do ano. Como já não era necessário estarmos os dois, a Ana Sofia ficou a acompanhar a doente no sentido de ela ter o melhor atendimento possível, enquanto eu fui para casa para descansar um pouco.
A meio da manhã o Carlos foi buscar a Ana. Celebrámos a missa do Dia Mundial da Paz na nossa capela (todo o programa previsto estava alterado) e preparámo-nos para o almoço com a nossa visita. Mal começámos, o telemóvel tocou para dar a triste notícia de que a Clara tinha falecido, aos 25 anos (vemo-la na fotografia, de boné, ao lado da mãe). Não tínhamos palavras para descrever a tristeza que sentíamos. Era uma jovem bem nossa conhecida e eu, pessoalmente, já a conheço há cerca de 20 anos.
Após o almoço rumámos à morgue do hospital onde encontrámos a família e amigos em altos brados. Com alguma dificuldade devido ao dia que era, conseguimos a certidão de óbito para o levantamento do corpo. A ajuda que a família então nos pedia era que levássemos o cadáver de volta à aldeia. Não é agradável uma missão como esta, mas era necessária. Envolta em panos, pois nem urna havia, o corpo da jovem deitado no nosso jipe, acompanhado por mim e pela Sofia e mais seis familiares. Se na vinda para o Sumbe escutávamos os gemidos altos e aflitos da Clara, agora escutávamos um choro baixinho incessante, tipo moinha, apenas entrecortado pela inspiração, da mãe viúva, privada da sua companhia.
Quando chegámos já toda a gente da aldeia chorava. Fizemos o corpo sair do jipe e foi colocado numa casa de pau a pique. Sentámos um bocado para falar com algumas pessoas, como é próprio desta cultura. Depois fomos junto do corpo, rezámos um pouco com as pessoas ali presentes e despedimo-nos.
O regresso, já com o sol a declinar, foi feito quase sempre em silêncio. A Sofia adormeceu de cansaço e tristeza.


Hoje estamos de partida para a Donga. Se Deus quiser regressaremos dia 12. No programa temos a Primeira Comunhão de crianças e adolescentes, uma ação de formação para catequistas, continuação dos trabalhos de melhoria da Donga, trabalhos na horta e na lavra.

Um abraço para todos e, mais uma vez, feliz ano 2014.

P’la equipa missionária,

P. Vítor Mira

2 comentários:

David Nogueira disse...

Em todas estas situações pouco mais conseguimos fazer que estar unidos na dor. A vida é realmente algo frágil, incerto, fora do nosso total controlo. podemos fazer algo mas não "tudo". Coragem para a missão, para todos os momentos, incluindo os mais dolorosos. Estamos juntos!

Tio Serra disse...

Senhor Jesus ilumina os nossos caminhos. Aos que partiram para o Pai, que Deus lhe dê o eterno descanso.
Nestes momentos de dor e consternação não é fácil saírem as palavras, Senhor ajuda os que estão sofrendo, que se faça a Tua vontade e não a nossa.
Votos de um Ano Novo em que o Senhor seja sempre Louvado por todos nós.
Estamos juntos.
Tio Serra