De 14 a 26 de janeiro, a Missão de S. José do Gungo recebeu a visita de um grupo de 12 pessoas da UASP – União das Associações dos Antigos Alunos dos Seminários Portugueses, no âmbito do projeto “Por mares nunca dantes navegados!”. De 8 a 20 de julho, será a vez de outro grupo da UASP percorrer os caminhos das montanhas do Gungo. A par destas visitas, os nossos amigos da UASP vão desenvolvendo ao longo deste ano pastoral um programa de apoio ao Ondjoyetu, programa esse que se iniciou no dia 16 de dezembro na forma de um almoço solidário em parceria com a paróquia de Nossa Senhora da Piedade de Ourém, tendo o respectivo saldo revertido integralmente para o projecto missionário da diocese. O próximo evento organizado pela UASP, desta vez em parceria com a paróquia de Porto de Mós, consistirá num almoço musical solidário a realizar-se no dia 10 de Março, a partir das 12h30, no salão de S. Miguel, em Porto de Mós. Brevemente daremos mais informações. Entretanto, aqui fica a partilha do nosso Ondjoyetu Luís Matias, que visitou em janeiro a Missão do Gungo na condição de membro da UASP.
A ESPERANÇA NUM PAÍS ADIADO
(Crónica de uma viagem fora do mundo)
UASP – Por Mares Dantes Navegados - Ondjoyetu
Quem conhece Angola, sabe que não é possível, a qualquer título, fazer turismo neste país. Custo de vida completamente fora de razão; passagens caras; processos de vistos desincentivadores; insegurança; riscos de Saúde; mobilidade e vias de comunicação destroçadas; falta de bens essenciais; questões de higiene; alojamentos; cultura; e mais uma vintena de grandes razões para fundamentar a afirmação, mas não são relevantes para o objetivo que temos em mente. Ao invés, não faltam motivos de interesse; beleza natural; gentes maravilhosas; ritmo; cor; sons, exotismos diversos…
Mas de facto, um estrangeiro, só viajará a Angola por 3 motivos essenciais: Ou Trabalho; Ou Missão; ou Aventura. Ou seja: Por necessidade; por Fé ou filantropia; por prazer do risco e do desconhecido.
A primeira impressão que se tem quando se chega a primeira vez a Angola é a sensação indescritível de se chegar a um país tropical, anunciado pelo bafo quente com que o clima nos acaricia e nos envolve de imediato, sensação que não mais nos abandonará. Já vimos do avião a terra vermelha contrastando com o azul do mar, e outro contraste bem mais chocante, que anuncia o tudo e nada da capital mais cara do mundo, que é a convivência de enormes e modernos edifícios, plantados no meio de uma imensidão de “Musseques” (os bairros de lata), que fazem a verdadeira e real Luanda e que são um prenúncio do cenário que haveremos de constatar em todo o território que percorremos. Um país super-rico de recursos, dotado da maior beleza natural, muito fértil, mas sulcado pela miséria, com marcas muito visíveis de guerras fratricidas, em que o irmão subjuga e saqueia o seu próprio irmão, reduzindo-o sem qualquer piedade à condição de uma escravatura infra-humana. E como a miséria não necessita de exibição, porque está patente e generalizada em todo o lado, a riqueza de uns poucos, sim, tem de ser exibida e ostentada no pior cenário, na pior montra. Por isso, é fácil encontrar no percurso os “jipes” V12 à prova de bala com vidros escurecidos e, na capital, até Ferrari’s que não conseguem senão circular na sua rua que, com frequência, começa e termina com umas proeminentes lombas onde o dito já não consegue passar.
É esta a capital, Luanda, onde o lixo se amontoa nas ruas, nas ravinas e morros, no leito seco dos rios e, por acção das enxurradas, finalmente, no mar. Os poucos semáforos não acendem, o trânsito é um caos, os taxistas à velha maneira soviética (chamados de candongueiros), em carrinhas Toyota ou chinesas copiadas, provocam a maior confusão, juntamente com os milhares de vendedores de rua que permitem que tudo se compre enquanto se está na fila de trânsito, desde a agulha, ao saldo de telemóvel, ao bife, à ventoinha e até ao frigorífico… nas horas de ponta, 4 horas para percorrer 20 Km, dá até para jantar. Luanda é uma cidade que não tem estrutura para mais de 1,5 milhões de habitantes, mas estima-se que residam mais de 8 milhões.
O primeiro dia foi de chegada, logo na madrugada de terça feira. Uma volta de reconhecimento a Luanda, onde se destaca a visita à sumptuosa igreja de S. Paulo, construída nos idos tempos coloniais, bela e preservada, uma passagem pela capela da Senhora da Nazaré, na Baía de Luanda, um passeio ao fundo da ilha (que é uma restinga) e o almoço na casa do Verbo Divino na capital. Depois a descida ao Sumbe, pela horrível EN 100 (em reconstrução), a estrada mais movimentada do país.
Saímos de Luanda e encontramos uma paz também ela chocante e degradada. Paragem obrigatória no “Miradouro da Lua”, uma paisagem picto-fantasmagórica esculpida naturalmente numa arriba argilosa, em tons de vermelho, rosa e branco, com uma vista até ao mar. E depois, caminho em terra de catos e palmeiras, com formas espetaculares (às vezes a lembrar os filmes do far west), paisagem entrecortada com vales planos e muito verdes , nas bacias dos rios. O primeiro é o Kuanza, o maior rio de Angola. Passámos a ponte (único local de Angola onde se paga portagem). Aqui termina a província de Luanda e se passa para a do Bengo. Passada a ponte, começa o parque nacional da Quiçama. Uma multidão de macacos abeira a estrada à espera de umas bananas, amendoins ou bolachas. São muito sociáveis, algumas mães transportam filhotes agarrados ao ventre, e aconselha-se a ter cuidado com os telemóveis e máquinas fotográficas, porque no momento do clic, pode um gesto tão rápido com o próprio clic internar definitivamente o aparelho na densa floresta. Depois o Rio Lomba, onde inicia a província do Cuanza Sul, a nossa, e mais perto do sumbe, o espetacular rio Keve. Nas terras férteis dos rios já encontramos enormes e vistosas mangueiras, e nas zonas mais áridas vamos encontrando os majestosos e inconfundíveis embondeiros, com os seus frutos pendurados que muitos comparam a grandes ratazanas penduradas pelo rabo, de nome MÚCUA, das quais se faz chá, gelados e sumos. Nos 330 Km de Luanda ao Sumbe, passamos pela zona das famosas praias de Sangano e Cabo Ledo, visíveis apenas nas placas de direção, escassas em Angola, e passamos apenas por uma cidade, PORTO AMBOIM, degradada, mas maravilhosa, que deixa entrever na sua beleza e estrutura antiga um passado faustoso e privilegiado. Chegados ao Sumbe, a capital da província, outrora chamada Novo Redondo e famosa pelas praias e pelo mais importante rali de Angola, e o choque aumenta.
Entramos por uma zona alta, e vemos a cidade estendida numa planície ao nível do mar, completamente emuralhada por montanhas. A cidade está miseravelmente degradada. Bairros lamacentos ou empoeirados conforme a época do ano, com uma marginal de sonho, coqueiros na praia, um palácio do governo do tempo colonial a marcar a diferença, e uma Catedral com uma arquitectura futurista e específica para África, com o oceano em pano de fundo. Na cidade, sobressai a degradação, o lixo, o cheiro nauseabundo, e o cenário grotesco das montanhas em redor, mais fazem lembrar um terrível cenário de guerra do que algo onde decentemente possam viver pessoas. E com razão, porque decência neste emaranhado de sobrevivência precária é o que não há. Para além dos degradados e descontrolados bairros existentes na planície, o maior dos quais é o Chingo (onde há um imenso mercado formal e informal, que vende de tudo em situação degradante, de arrepiar e revirar qualquer estômago forte), as montanhas estão completamente polvilhadas de pequenas e degradantes habitações de adobe e pau a pique, plantadas em pequenas plataformas escavadas nas encostas, e onde as enxurradas frequentemente fazem arrastar muitas delas de uma só vez, encosta abaixo, depositando a lama diretamente nas ruas da cidade.
Subimos finalmente ao Bairro da Pedra Um, povoação a condizer com a caracterização atrás descrita, e ali encontramos um verdadeiro oásis neste cenário a roçar, senão o macabro, pelo menos o muito chocante. Os dois acessos, qual deles o pior, são um bom prelúdio para o que nos espera mais tarde na picada das montanhas do Gungo. A partir da comarca (a prisão lá do sítio), vamos verdadeiramente dançar Samba dentro dos nossos Toyota Land Cruiser, um dos quais o nosso histórico, velho, afectuoso e valente “Cavalinho Branco”. Passámos pela interessante igreja do bairro, que tem na sua conclusão um dedo da nossa Missão Ondjoyetu, logo a seguir pelo Seminário Maior da Diocese, edifício bem mais singelo e discreto que os nossos europeus e, à chegada, já noite escura (porque nestas paragens às 6 da tarde é noite), avistamos uma cruz luminosa no meio do bairro, que indica a chegada ao oásis chamado ONDJOYETU (a nossa casa), o sítio de repouso e de apoio logístico da Missão.
A casa, construída pelos próprios missionários, com apoio da retaguarda do grupo em Portugal, que angariaram e enviaram a maior parte dos materiais, é uma edificação em U, de rés do chão, extensa, para albergar as necessidades das atividades da Missão. Ao fundo, ergue-se a capela a um nível mais elevado (à cota de um 1.º andar) e, na parede, uma exuberante cruz incrustada, em tijolo de vidro, exibe a sua fantástica presença ao exterior, à noite, bastando para tal acender a luz da capela. O efeito é hoje o mesmo, mas o impacto há dois anos atrás era ainda mais distinto, atendendo a que não existia luz eléctrica no bairro (nem na missão, a não ser por um gerador), e a única luz que se impunha naquela escuridão abismal, era a Cruz da Missão.
“Quem dá o que tem a mais não é obrigado”. Fomos fazer uma experiência de missão; não fazer turismo (já se disse no início que em Angola não se faz turismo). Foi neste ambiente e com este objectivo, de viver a Missão como ela é no seu dia a dia, que nos arrumámos em quartos colectivos (homens para um lado, mulheres para o outro), mas decentes. Aposentos tão bons, no contexto, que não têm comparação possível com o melhor que possa existir no entorno. Conversámos, planeámos e jantámos. O jantar na Missão, é sempre e só, sopa e fruta. E assim ficámos integrados no ambiente e dinâmica da Missão. À mesa, os 12 navegantes da UASP, a inaugurar a V.ª etapa do projecto “Por Mares Dantes Navegados”; o Superior da Missão (mandatado no âmbito da geminação da Diocese de Leiria-Fátima e do Sumbe), o nosso amigo Pe. David Nogueira; o Avô Filipe e a mana Teresa (que fazem parte da pequena estrutura fixa da Missão), os voluntários Carlos e Sílvia, que tiraram das suas vidas de conforto europeu e do seu tempo e família 4 meses e 1 ano e 4 meses respectivamente, para se dedicarem a quem nada tem; e ainda 5 meninas jovens do Gungo, que a Missão apoia para estudarem no Sumbe, residindo e ajudando aqui na casa.
No 2º dia, quarta, fomos conhecer o Sumbe, e o miserável estado da cidade revelou-se. Visitámos o indescritível mercado do Chingo, e viemos colaborar em algumas pequenas atividades de serviços na casa da Missão. E preparar a subida às montanhas no dia seguinte. Da rotina do dia faz parte o levantar às 6 da manhã, tomar o pequeno almoço e rezar Laudes. No primeiro dia estranha-se, no segundo entranha-se, no terceiro já faz falta.
A quinta feira começa do mesmo modo. Depois preparam-se as possantes viaturas (mudaram-se os 4 pneus do jipe cedido pela diocese, para o conformar com as agruras da vida que iria passar nos dias seguintes), carregaram-se as ditas, e iniciámos a saga. Cerca de 150 Km, dos quais 80 em suposto asfalto que, por desvios para troços alternativos não terão somado mais de 20, e uns 50 numa das picadas mais miseráveis do país. Seria maravilhosa a picada, se o piso correspondesse ao belo da paisagem e das gentes. Seria o céu! Mas para mais perto dele caminhámos, trepámos, abanámos, resistimos, queixámo-nos… mas conseguimos.
A primeira paragem, já a 15 Km do nosso destino (ainda difícil), foi no Ukende, a sede da comuna, lá no fim do mundo. Mas ainda há mais fim. Ali chutámos uma bola amarela, novinha em folha, que fez a alegria das dezenas de crianças que apareceram de repente do nada. Distribuímos balões e rebuçados, como de resto fomos fazendo pelos bairros onde passávamos, e ouvíamos os gritos das crianças a correr escarpa abaixo com aquele grito indizível, mal viam o jipe de “Pade, Pade, pade…” e depois “Chaue, chaue… chaue…”. Hoje eu e os meus companheiros de jornada, continuamos a ouvir aquele indiscritível, maravilhoso e repetido “Chaue…”. Isto não se esquece, por mais anos que se vivam. Para mim, que foi um reavivar maravilhoso desta sensação já tantas vezes experimentada, continua a ser um eco infinito da maior beleza, que só me transporta a um sentimento de gratidão à vida, por ter-me proporcionado esta indizível forma de beleza, de simplicidade, de amor… Chaue… pronunciado por uma, por mil crianças!
Caiu a noite no Ukende. Poucos quilómetros, mas muito tempo depois, com incontáveis abanões capazes de desconchavar qualquer um, avista-se ao longe, ténue, uma estrela diferente das nuvens que agora ocultavam no maravilhoso céu do Gungo. Aquela luz, única tanto quanto a vista enxerga, e muito para lá disso, resultavam de um pouco de tecnologia perdida naquele nada; os painéis solares da Missão, que com todos os cuidados de gestão de energia, davam para iluminar, aquele negrume, quase até de manhã, quando pelas 5:30 o dia aparecia de novo. Chegámos finalmente ao meio do desconhecido que o negrume empolgava. Estávamos fora do mapa, fora das redes, num mundo quase inexistente. As estrondosas dificuldades diárias que os nossos heroicos missionários experimentam todos os dias, foram momentaneamente nossas também. Afinal, viemos para viver a Missão. Jantámos na apertada sala de refeições, que serve de muitas outras coisas em dias normais. Já devidamente protegidos dos perigos alados que livremente circulam no território que é deles, distribuímos os lugares de dormir, muito mais precários que os da cidade, mas ainda assim imensamente melhores que todos os do entorno. As mordomias desapareceram, sujeitam-nos ao confronto connosco mesmos, a alguns menos tolerantes podem até assumir contornos de desilusão, pelo menos de dificuldades. Confrontamos o nosso bem-estar com os limites da sobrevivência. Quiçá refletimos sobre o valor do que nem damos conta no nosso conforto europeu e, pensaremos talvez egoisticamente, com desalento e alguma revolta sobre o que não temos ali, ou com benevolência e espírito de partilha e adesão interior: que povo vive sujeito a esta ignomínia, e que heroicidade a de quem estoicamente vem ajudar aqui a quem nada tem, sujeitando-se a estas condições de vida? Água condicionada, latrinas, banho de balde…
Mas o dia e dias seguintes despertam-nos para uma maravilha da criação: uma paisagem fantástica, onde nos sentimos verdadeiramente perto do céu e longe do mundo. Vamos descobrir um povo simples, acolhedor, afável, generoso. Não têm nada. Ou sim… têm: têm um sorriso, um ritmo, uma gratidão, uma alegria e uma fé que nos questionam sobre o que somos afinal? O que temos para dar em troca? Sempre me sinto pequeno de mais em confronto com esta realidade!
O trabalho dos nossos Missionários (conscientemente escrito com M) é a única esperança destas gentes. E não vale lamentar-se e revoltar-se com a situação do um governo de um país que podia ter tudo, mas não tem nada. Essa parte não podemos mudar, e a nossa revolta a esse propósito, lícita e incontornável, não vem na prática resolver nada de concreto na vida destes seres humanos. Mas podemos, sim, fazer algo. E depois de vermos e experimentarmos, não acredito que o não façamos. Hermann Gmainer, o fundador da maior instituição de solidariedade privada do mundo, a SOS Kinderdorf dizia: “Se não podes mudar o mundo, muda onde chegares com a mão… e o mundo mudará”. Aqui, conseguimos ter esta percepção.
Nos dias de Missão trabalhámos em diversas actividades necessárias, desde a formação de catequistas (que aqui desempenham um papel fundamental); a crianças a preparar a primeira comunhão; formação de acólitos; Consultas de saúde; construção civil e de fabricação de BTC (Blocos de Terra Comprimida); comida, etc.. Participámos nos actos de culto, vibrantes, vividos, alegres, eivados de fé. O dia sempre começa com as Laudes (às 6:30 da manhã) e termina com a oração magna a Maria. Partilhámos músicas, ritmos, experiências, estórias. Muitas crianças, e jovens, meigas, gratas.
Descemos na segunda, e vimos a mesma paisagem exuberante, ao contrário. Chegámos ao Sumbe, outra vez de noite. É sempre como um voltar a casa, apesar de, aqui, a nossa casa ser o mundo. A casa da Missão na Pedra Um é acolhedora, repousante e sentimo-la como um ninho. Muito movimentada porque é a plataforma logística. Muito trabalho aqui se faz. Os Missionários não descansam, não tem folgas, não têm horário de trabalho, não se queixam à inspecção do trabalho. Mas a população toda os acarinha, em qualquer parte o jipe é conhecido, porque tem matrícula verde (atribuída às ONG’s) e tem identificada “Missão Católica”. Nem a polícia (que neste país vive mais à custa do suborno do que da subvenção do estado, que é pouca) se atreve a interpelar. Pelo contrário, têm uma enorme deferência pelos Missionários Católicos.
Na terça, com piquenique na mala, rumámos a um merecido dia de descanso nas entranhas de outro paraíso. A cerca de 30 Km do Sumbe, um estrondoso espectáculo natural abriu-nos as portas: as Cachoeiras do Bingo. São umas abismais quedas de água no rio Keve, com um aprazível parque de merendas e, nesta altura do ano, uma apelativa praia fluvial. As quedas de água não são propriamente estrondosas pela altura ou pelo floreado das cataratas, são-no pelo medonho volume de água precipitada e pela velocidade da precipitação. É uma zona de grande produção de manga, fruto que nesta época tão gostosamente nos empanturrou e, como é bom de imaginar, fomos bons clientes na cachoeira.
No dia seguinte, voltámos ao Chingo, passámos para lá do aeroporto e fomos à praia norte, dos pescadores, à cata de peixe bom a sair do mar, o único seguro neste país sem rede de distribuição e frio. Muitas redes a sair, alguns barcos, mas só peixe miúdo, daquele que secam ali ao lado e vendem depois nas bermas da estrada e nos mercados. A nossa intenção foi frustrada, mas não inútil a viagem: vimos e participámos naquela faina, passeámos numa praia linda, apanhámos muitas conchas e búzios grandes, satisfizemos o gosto ao dedo no pressionar de diafragmas para registar momentos felizes, e ainda houve quem se banhasse.
Regressados à Pedra Um, no almoço, recebemos uma notícia triste e que foi muito sentida pelo grupo: a morte da mãe de 2 companheiros nossos, que regressaram de imediato a Luanda, para no dia seguinte voltarem a Portugal. O Pe. David e o Carlos foram á capital levar os nossos companheiros, e nós seguimos com o programa, mesmo em homenagem a estes companheiros e à sua recém falecida mãe que em situação normal estaria também ali connosco. Assim, às 18 horas, participámos numa Missa na linda catedral do Sumbe, celebrada também pela nossa Amiga Angela. No final, durante cerca de 1:30 h, fizemos um concerto de música para a comunidade do Sumbe que foi muito participado.
Na quinta, fizemos um percurso mais turístico: rumámos à Cachoeira, subimos para o planalto, no meio de uma luxuriante mata tropical e chegámos à Gabela. Uma linda cidade com um exuberante passado colonial, com muita agricultura (Café, bananas, ananás, cana de açúcar, milho…). Ali almoçámos em piquenique, mas na Missão dos padres da Boa Nova (SMP). Circulámos toda a cidade e voltámos alguns quilómetros pela mesma estrada da subida. A seguir à povoação de “Maria Ganza”, parámos no mercado de fruta de estrada, em “Maria Augusta”. Comprámos fruta deliciosa, para consumo na Missão e para trazer para a Lusa pátria. Posámos longamente nos cafezais ali mesmo junto à estrada. O café ainda verde, está completamente formado e com uma excelente produção. E voltámos à estrada. Junto ao mercado dos 27, tomámos outra rota, para mais uma visão paradisíaca: a estrada da Conda e do Celes. Voltámos a passar sobre o rio Keve, num local de descida rápida da montanha. Morros de granito com formas completamente saídas de um filme de feiticeiras, vegetação luxuriante, um luxo para os olhos, em estrada com razoável asfalto.
O penúltimo dia foi de tranquilidade na cidade do Sumbe. Durante a manhã fomos em aventura visitar as grutas de SASSA, uma das 7 maravilhas naturais de Angola, aqui mesmo junto ao Bairro da Pedra Um. Valeu bem a pena o esforço. Ao fim da tarde fomos recebidos pelo Bispo da Diocese, D. Luzizila Kiala, que nos acolheu com muita simpatia, na véspera de grande celebração com várias ordenações, cujos preparativos ali mesmo no terreiro da Sé, já mostravam a sua vitalidade e grandeza pelo movimento que tão antecipadamente exibia.
No último dia da jornada, bem cedo, preparámos as malas distribuídas pelas possantes viaturas, carregámos o manjar ambulante para o almoço e partimos rumo a Luanda. Mas passado Cabo Ledo, desviámos da rota mais directa para visitarmos um incontornável lugar de Angola: a Muxima. É um lindo santuário Mariano (a Fátima africana – à parte a comparação), colado numa fabulosa curva do rio Kwanza, um local de peregrinação e fé, integrado no parque nacional da Quiçama. Dali rumámos à capital onde chegámos ao entardecer, pela estrada de Catete, atravessando ao sul de Luanda o enorme parque industrial de Viana. No Aeroporto, foram as fotos da praxe, as despedidas, a exibição das saudades que já se mostravam, o coração apertado, um balanço individual que cada um, seguramente, já concluído no rescaldo.
E termino por onde comecei:
Só se vai a Angola por 3 razões: Trabalho; Missão/filantropia; Aventura.
Pois, meus leitores amigos, esta curta experiência, para mim várias vezes repetida, mas sempre nova, fez-me concluir que a heroicidade dos nossos Missionários é muito acima do conhecido Shampoo: não é 2 em 1, é mesmo 1 em 3, ou seja o pleno. Eu explico:
A estoicidade, teimosia e espécie de loucura dos nossos missionários, residentes, voluntários e de sobremaneira os Superiores da Missão, vão para Angola:
• Movidos pela MISSÃO, dando forma especial à sua Fé;
• Chegam ali e não precisam de procurar trabalho; o TRABALHO vem ter com eles, é tanto e tão árduo que não têm tempo de pensar em negá-lo;
• E a sua vida diária, na totalidade, é uma enorme e permanente AVENTURA, sem rodeios e garantidamente com todos os ingredientes que o limite da aventura poderia projectar. Não tenham dúvidas de que quem vai lá só à procura de aventura, não chega na sua realização, nesta matéria, aos calcanhares dos nossos Missionários.
Nós, os navegantes da UASP (1º grupo) vimos isto e vivemos um tudo nada desta emoção. Um mundo cão, onde a esperança se mantém a partir do nada, e ela reside no estoicismo de uns poucos loucos, sim, porque tem de se ter uma boa dose de loucura para aceitar num contexto tão duro mudar onde chegar com a mão. E levar as mãos e também o coração, a locais perdidos do mundo, como estes e, assim, começar a mudar o mundo. Os nossos Missionários têm a minha profunda admiração e gratidão.
E jamais se apagará das nossas cabeças o delicioso “Chaue…..”!
Gungo, Fevereiro de 2019
Luís Matias
1 comentário:
Obrigado amigo Luís Matias pela bela maneira como descreve a Missão.
Um grande abraço Missionário.
Tio Serra.
Enviar um comentário